Em 2015 as três Sociedades descritas a seguir criaram a “Terminologia e classificação da dor vulvar persistente e vulvodínea”
– ISSVD – Sociedade Internacional para o Estudo das doenças vulvares;
ISSWSH – Sociedade Internacional para o Estudo da Saúde Sexual da
Mulher; IPPS – Sociedade Internacional dor pélvica. Nessa classificação a
dor vulvar foi dividida em dor de origem específica e na vulvodínea
(VD).
Dentre as principais causas de dor vulvar específica podemos mencionar:
- Infecciosas (candidíase recorrente, herpes).
- Inflamatórias (líquen escleroso, líquen plano, distúrbios imunobolhosos).
- Neoplásicas (dç de Paget, carcinoma de células escamosas).
- Neurológica (neuralgia pós-herpética, compressão ou lesão de nervo,
neuroma). - Trauma (mutilação genital feminina, obstétrico).
- Iatrogênica (pós-operatório, quimioterapia, radiação, terapias locais).
- Deficiências hormonais (síndrome geniturinária da menopausa, amenorréia lactacional).
Já
a vulvodínea foi definida como dor vulvar com duração mínima de 3
meses, sem causa clara identificável, a qual pode ter potenciais fatores
associados. Trata-se de condição clínica complexa e multifatorial, com
dor intensa que ocorre na ausência de achados infecciosos,
inflamatórios, neoplásicos ou neurológicos visíveis. Seus descritores
são:
– Localizada (por ex, vestibulodine, clitorodinea) ou generalizada ou mista.
– Provocada (por ex, movimento, contato) ou espontânea ou mista.
– Aparecimento (primária ou secundária).
– Padrão temporal (intermitente, persistente, constante, etc).
Até
o momento não se conhece com certeza a fisiopatologia da vulvodínea, no
entanto diversos fatores etiológicos potencias são descritos como
associados à mesma:
- a)
Co-morbidades e outras síndromes dolorosas – por ex, síndrome da bexiga
dolorosa, fibromialgia, síndrome do intestino irritável, disfunção
temporomandibular.
- b)
Genética: predisposição genética para desenvolver essa condição, com
pelo menos 3 mecanismos potencialmente sobrepostos: – Polimorfismos
genéticos que aumentam o risco de candidíase ou outras infecções; –
Mudanças genéticas que permitem respostas inflamatórias exageradas ou
prolongadas; – Aumento da susceptibilidade a mudanças hormonais
associadas ao uso de contraceptivos hormonais.
- c) Fatores hormonais: uso de contraceptivos hormonais combinados levam maior risco desenvolver VD.
- d) Afecções musculoesqueléticas: por ex, hiperatividade muscular pélvica, miofascial, biomecânica.
- e)
Mecanismos neurológicos: – Causa central – mulheres com VD são mais
sensíveis a várias formas de estimulação em áreas não-genitais. Estudos
de imagem cerebral indicaram mudanças na estrutura, função e estado de
repouso em mulheres com VD; causa periférica – neuroproliferação –
aumento na densidade das terminações nervosas na endoderme vestibular
tem sido demonstrada, identificadas como nociceptores. O aumento da
inervação local teria implicações no aumento da sensibilidade local.
- f)
Inflamações: – Foi demonstrado aumento de células inflamatórias dentro
das regiões dolorosas do vestíbulo vulvar; – Aumento número de
mastócitos e mastócitos desgranulados e atividade de heparanase
subepitelial, associados com hiperinervação vestibular em mulheres com
VD; – Incapacidade para downregulate a atividade de citocinas
pró-inflamatórias.
- g)
Fatores psicossociais: ansiedade, depressão, vitimização infância e
stress pós-traumático são fatores de risco para desenvolvimento de VD.
O
diagnóstico da VD é de exclusão e inclui anamnese detalhada e exames
para se afastar causas orgânicas. A vulvoscopia em grande parte dos
casos não mostra anormalidades e geralmente a histologia é inconclusiva e
não auxilia na elucidação do diagnóstico. A maioria das pacientes com
vulvodínea tem seu diagnóstico postergado muitas vezes por anos,
principalmente por desconhecimento dos ginecologistas em relação a essa
doença.
O
tratamento é multidisciplinar (psicólogo, psiquiatra, fisioterapeuta,
etc). Deve-se ter uma boa relação médico-paciente. Como a origem da VD é
multifatorial, o tratamento deve ser escolhido de acordo com as
características de cada caso individual e possíveis fatores associados.
Algumas sugestões de tratamentos descritos na literatura:
–
Cuidados locais: afastar fatores irritantes, orientar uso de produtos
neutros e roupas intimas brancas de algodão, evitar lubrificantes de
silicone ou oleosos, e dar preferência a hidratantes à base de água.
–
Orientação de dieta – dieta pobre oxalatos (metabólito de alguns
alimentos, sendo excretado urina como cristais e em contato com a vulva
leva a irritação); 1.200 mg de citrato de cálcio diário auxiliam na
redução dos níveis urinários de oxalato.
–
Cremes lubrificantes durante relação sexual e anestésicos tópicos –
lidocaína gel 2 a 5% uso durante a relação sexual (30 minutos antes e
reaplicação durante o ato), sendo possível o emprego durante o dia em
períodos de dor importante.
–
Estrogenioterapia tópica ou oral – pode diminuir a severidade dos
sintomas: maturação epitelial, acúmulo gordura local, inibição da
produção de mediadores inflamatórios (citocinas e interleucina-1),
aumento do limiar da dor.
–
Sedativos tópicos = doxepina 5% creme; amitriptilina 2% (antidepressivo
tricíclico – ação anti-histamínica); gabapentina local 6% (para dor
neuropática); baclofeno 2%.
–
Antidepressivos tricíclicos – VO (nortriptilina/ amitriptilina),
anticonvulsivantes (gabapentina), inibidores recaptação se serotonina.
– Fisioterapia local.
– Toxina botulínica.
–
Cirurgia: excisões focais, vestibuloplastia, perineoplastia ou
vestibulectomia. Intuito de remover hiperplasia neural; reservada para
não respondedoras ao tratamento conservador; não indicada em dor
generalizada, não provocada.
– Laser CO2 fracionado.
Adriana Bittencourt Campaner
Neila Maria G. Speck
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Fonte: FEBRASGO